30/12/12

Escrita Automática III

Era uma vez alguém
Que miserável
Só se lembrava do que não devia

De repente, a separação entre as coisas
Tornou-se uma ténue linha
Apenas conceptualmente exigente

O eco das palavras ditas
São assim, chicotadas no seu não frágil corpo

Ou melhor, das ouvidas
Da comparação com os fantasmas
(que ofensa é muito feio)
Que hão-de habitar ainda por mais tempo
A sua não frágil mente

Era uma vez alguém
Que se lembrava da voz
“Sê consequente!”

Ou melhor, lembrar não lembrava
Que afirmação essa
era quadro fixo na decoração do seu pensamento.

Bárbara Bardas

27/12/12

Escrita Automática II

Era uma vez alguém
Que ao invés de seguir com o que queria
(ou com o que pensava que queria)
Que arranjar justificações arranjava
Para nada fazer (?)
E para se desbaratinar
Entre lagos de aconchegos
De lucidez parca

De pardas lamentações
Torceres e contorceres patéticos
Cacos estilhaçados e provocados

Que agora toma!
Apanha-os!

Vê lá se consegues agora
Galgar, admoestar o prazer que antes sentias
Em ser hercúlea, sentir um agradozinho em ultrapassar todas as aflições
Do cabo dos trinta.

É disso que se trata, não é?
A arrogância, a prepotência como arma de arremesso
Contra tudo e contra todos
em saltar de dia em dia
Em alvoroços funestos diários

E lembra-te:

“A dor que se encrava em nós
pode não ser voluntária”

“Pode”.

Bárbara Bardas

25/12/12

Inventam tudo,
palavras, lugares, gestos,
pessoas presas e gastas, de tanto quererem viver.
Fingem não ver quem está ao lado, querem ver quem está longe,
cansam-se e cansam os outros,
choram, gritam e esperam por dias que não virão.

Ana Almaça

10/12/12


Uma divisão para a B.B.
Outra para a Bárbara.
E outra para a Andreia.
Conjuntos de insectos presos em células.
Esbarram no caos – ao cruzarem as divisões.
As diferentes células chocam umas com as outras.
Os insectos soltam-se.
Integram-se no caos.
Este cresce.
Elas procrastinam-se.

Bárbara Bardas

07/12/12

Escrita Automática

Era uma vez alguém
que estando tão à nora
se punha a inventar
inventar até pode parecer coisa de desocupados
mas ao que parece não era

Era uma vez alguém
que farto de procrastinar
inventava cafés para beber, cigarros para intoxicar
e precisava também de um nodepe da Adília (ela sabe o que é)

Era uma vez alguém
que tendo a mania que era petulante
pensava que conseguia dobrar todos os cabos das malfeitorias

Era uma vez alguém
que nas imediações de atingir o que queria
se punha a inventar vontades de vertigens
viscerais, de nós estomacais, ausências de direcção
e se punha a fazer o que não devia

Era uma vez alguém
que tanto inventava que tinha de se auto-censurar
que dar barraca não gostava
e meter a pata na poça
também não

Arranjar distracções, subterfúgios,
palavras novas e expressões novazinhas
era o que fazia
em vez de algo de útil fazer

Assim, de repente
quem diz a verdade não merece castigo
mas parece, que também não é o caso

Bárbara Bardas

05/12/12


ouvi uma voZ – ANTES DO DIA
QUE ME DIZIA – É A REDONDINHA –
a chave – é o 4c – vai direitinha que é para não te esqueceres –
era uma vergonha e tu não te ias perdoar.
era uma razia.

Bárbara Bardas 

30/11/12

Desgostos

Um grupo de cavaleiros, um exército de infantes ou uma esquadra de navios são, para alguns, a mais bela coisa do mundo. Para mim, é o ser amado.

Qualquer um pode compreender sem dificuldade: Helena, cuja beleza excedia a da espécie humana, abandonou o seu nobre marido.

Sem se preocupar com o filho e os seus queridos pais, vagueou por Tróia, levada pelo amor, inconstante e leviana.

25/11/12

ESTA CIDADE

O lugar de repouso
está por inventar
A cidade é morna
o rio vazio
nem o mar é filho do mundo
nem o mundo é mar
nem o meu corpo
um chapéu de ilusionar

20/11/12

Assassinato de Simonetta Vespucci

Homens
No perfil agudo dos quartos
Nos ângulos mortais da sombra com a luz.

Vê como as espadas nascem evidentes
Sem que ninguém as erguesse - de repente.

Vê como os gestos se esculpem
Em geometrias exactas do destino.

Vê como os animais se tornam animais
E como os animais se tornam anjos
E um só irrompe e faz um lírio de si mesmo.

14/11/12


Grampeados à terra
Rugimos contra o que não queremos
Enésimas vezes e vezes sem conta
Vamos as vezes que forem precisas
Enlutados, lotados e em diferentes locais
Ganadaria fora daqui
Entes bastardos
Reis mascarados
Ante pé, avante pé, outro pé
Lascívias fora daqui!

Gravado na mente
Reses procurávamos
Estéreis buscas fazíamos
Valor era coisa que o nosso trabalho não tinha
Entre a escravatura lá estávamos
Gentes divididas
Era o que tínhamos
Raiva era o que nos cabia no peito
Antes, durante e prevendo as privações
Lutamos até vencer!

Bárbara Bardas

13/11/12

uma não estéril gestação quase completa:
do desprendimento do pretérito perfeito
do abandono do tempo condicional
a aproximação do presente do indicativo
o (re)nascimento brevemente anunciado

10/11/12

Era uma vez
Um país dos números
Nesse país
Apenas as casas decimais
Viviam
Veio um tufão
E trouxe um pau vertical
Os habitantes desse país
Chamaram-lhe
UM!

Nesse país
Onde as pessoas
Comiam a cultura
Com vírgulas
Disseram
Queremos
Uma
Cultura
Inteira!

Bárbara Bardas

05/11/12

Sophia

Este país de bruma
não era o teu país
tu vivias mais longe
mais perto da luz
do que da treva
do gesto claro
e não da eterna espera

Y. K. Centeno
in AS MULHERES VISÍVEIS - ANTOLOGIA DE POEMAS SOBRE MULHERES, ed. Alma Azul

30/10/12

O FECHO AFECHO


O fecho gira ao contrário do sol
O fecho gira carta topográfica
O fecho grita lua azul
O fecho grita na submissão do dia
O fecho partícula
O fecho podre escravo
O fecho vento que remove e que traz
O fecho soturno de um careto
O fecho com sorte
O fecho pé na essência das aberturas
O fecho corpo dinheiro
O fecho abre a noite com o silêncio
O fecho morto no claustro
O fecho anda
O fecho gira
O fecho todos os dias
O fecho histórias constelações
O fecho marca
O fecho anunciação
O fecho pulsante carne insecto
O fecho eu
O fecho meu
O fecho todo da planície
O fecho gira
O fecho grita
O fecho pulsa
O fecho barco

Bárbara Bardas
Poemas da Imitação


25/10/12

Prepúcio

O duplo de mim, cristão
a metade de meu duplo, judia
se nascemos perdemos algo
por via dolorosa
e se não nascemos juntos
perdemos tudo.
Perdemos tudo.
Uma escola completa de tradutores
escrevendo molhado sobre seco
à saída do banho turco

20/10/12

A metáfora do ritual, do teatro e do jogo


Na característica rotineira do acto
Eis que surgem vários déjá vus
Na região da frente digo que vou à casa-de-banho
(preciso de tempo para pensar) volto e actuo com racionalidade, cordialidade
Mas sempre com uma tensão presente.
Percebe-se. Isso. E magoa-me. O espectro
Na região da retaguarda, espaço aberto ao confronto entre indivíduos com intimidade – não há nada de menos apropriado.
Porque os anos passam e a maturidade procura-se

Eis que surgem outros déjá vus
Todos com a mesma idade

“Algumas formigas têm mais animais domésticos que os homens” dizia o sir

Quando é que isto acaba?

Isto e a pergunta do Varela iminentemente constante, qual insecto aprisionado em campânula de vidro: “O que é que queres mostrar?”

Bárbara Bardas

15/10/12

MORTAL DOENÇA


Na febre do amor-próprio estou ardendo,
No frio da tibieza tiritando,
No fastio ao bem desfalecendo,
Na sezão do meu mal delirando,
Na fraqueza do ser, vou falecendo,
Na inchação da soberba arrebentado,
Já morro, já feneço, já termino,
Vão-me chamar o Médico Divino.

10/10/12

RETRATO DE UMA PRINCESA DESCONHECIDA

Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com um tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes

05/10/12

Legs back to the road
in harmony
again

Barcas Novas

Lisboa tem suas barcas
agora lavradas de armas

Lisboa tem barcas novas
agora lavradas de homens

Barcas novas levam guerra
As armas não lavram terra

30/09/12

Metamorfose

Quando a mulher
se transformou cabra
marés anuíram
ao ciclo recente
das águas
ah
as bombas
desceram em paraquedas
antes dos homens

25/09/12

RONDÓ DAS CORES

Azul louco e verde louco
Do linho em rama e em flor.
Navegando em altas ondas
Dança o azul furta-cor.

Quando o azul se desfolha
Fica o verde dançador:
Verde-trevo ou azeitona
E o verde-gaio limão.

Lá vai beleza!
Lá vai a cor!

20/09/12

O BATER DA INICIAÇÃO


Hoje
O recorde
São doze quilómetros
De percurso acidentado
Subidas e descidas
Em estrada abandonada
Em sessenta minutos

17/09/12

Exercício Fono-Articulatório


1.

B.B. para chamar J.J.
Une os dois lábios
Toca com a língua convexa
O palato
E deixa o som sair
Cabeça     boca    nuca    occipital     vértebra    outra   vértebra
Em jê.

15/09/12

Esperanças de um vão contentamento,
por meu mal tantos anos conservadas,
é tempo de perder-vos, já que ousadas
abusastes de um longo sofrimento.

Fugi; cá ficará meu pensamento
meditando nas horas malogradas,
e das tristes, presentes e passadas,
farei para as futuras argumento.

09/09/12

Ode ao Tio ou Capicua 09.09.2009

A minhoca era menina
A minhoca ia às cavalitas
A minhoca morava perto do mar
A minhoca economizava palavras
A minhoca era introspectiva

B.B. Pásion - poemas da saudade

05/09/12

O Peixe-Carta - Uma história infantil


Era uma vez o cavalo Sardento.

Formoso, assim era, pois ao local que habitava fazia jus, tal como a maioria dos outros animais.

O Sardento pediu que lhe entregassem uma Carta à sua amiga do mar Safia.

Como o Sardento ainda não aprendera a nadar, cavalgou até à vaza procurando o caranguejo Boca Cava-Terra.

- “Não te preocupes que quando a maré encher eu trato disso” – respondeu o Boca Cava-Terra.

30/08/12

"ansiava um poder de visão que pudesse ultrapassar aquele limite; que pudesse atingir o mundo agitado, as cidades, e regiões plenas de vida de que ouvira falar, mas que nunca vira; desejava mais experiência prática do que a que possuía; mais contacto com os da minha espécie, conhecimento dos vários tipos de personalidade que estavam aqui ao meu alcance. Considerei o que havia de bom em Mrs. Fairfax, e o que havia de bom em Adéle; mas acreditava na existência de aspectos mais reais de bondade, pretendia ver aquilo que desejava".

Charlotte Bronte
in Jane Eyre

25/08/12

Rifão Marinho

Um cone
estava na areia
em pé
muito calado
a ver o que não acontecia
chegou a miúda
e disse
olha um cone
e zás comeu-o
é o que acontece
aos cones
que ficam em pé
calados
a não esperar
o que acontece

Bárbada Bardas, Poemas da Imitação

24/08/12

a esterilidade dos dias

a incerteza dos dias vindouros
de umas quinhentas libras por ano
e de um quarto que seja seu

Bárbara Bardas

21/08/12

Não é uma metáfora


"Tenho agora um trabalho muito ingrato
Ando a espantar pássaros de uma plantação de uvas
Não é a brincar
É a sério
A espantar pássaros"

Bárbara Bardas

20/08/12

POEMA DE INSUBORDINAÇÃO

Preto
sem submissão
palavra de relevo agudo
nas ruas
Preto
de água de vento            de pássaro
de pénis
de agudamente preto
de        demasiado

como um cardo submerso de
som

Preto de saliva na ogiva
dos lábios

Objectos solares
quentes          interiores marítimos
curvos            inseguros
preto

o tempo dos desertos
facetados na boca

15/08/12

Vieira da Silva



Atenta antena
Athena
De olhos de coruja
Na obscura noite lúcida


Sophia de Mello Breyner Andresen
in AS MULHERES VISÍVEIS - ANTOLOGIA DE POEMAS SOBRE MULHERES, ed. Alma Azul

10/08/12

Introdução ao Tempo


I

Façamos greve de tempo

De pulmões castos não respiremos
As folhas trágicas veias
podem cair
Fechemos os olhos dentro

Silente na rocha amarga
o sulco humilde de nós

08/08/12

de são joão da madeira

custa-me tanto
mas tan-tan-to-to
abandonar uns sapatos
nas traseiras de um carro
onde lavo os pés
para calçar uns novos
na terra irmã
à da margem certa

Bárbara Bardas

05/08/12

Auto-retrato

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.


Natália Correia
in AS MULHERES VISÍVEIS - ANTOLOGIA DE POEMAS SOBRE MULHERES, ed. Alma Azul

01/08/12

Guerra

Tanto é o sangue
que os rios desistem de seu ritmo, 
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.

Tanto é o sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.

27/07/12

RIP Carlos Alberto Bernardo Fernandes

Ficha de Identificação:

Engraxate de profissão
Utente do Júlio de Matos
Filho de uma peixeira
Bastardo de um coxo (vendedor da sorte grande)

Não fosse eu ter fugido à tropa
E se para a Suíça não tivesse ido
Elisabete não teria conhecido

Não fosse Lisboa uma prisão
E eu e a minha minhoca
À praia não teríamos ido

(Minhoca era menina
Minhoca era introspetiva
Minhoca ia às cavalitas
Minhoca morava perto do mar)

Não fosse a solidão um grande presente
E eu a morte não teria conhecido,
À terra não voltaria

Não fosse a miséria tão matemática
E eu não me teria ido,
O meu corpo não teria dado

Não fosse a indiferença tão sagaz
E eu – feito Papillon – não me teria deliberadamente
Libertado da vida. Borrado e enforcado naquele quarto.

Se não o tivesse feito
Não teria escolhido a nona capicua: 09.09.09

(Se morrer não tivesse morrido
À terra mais minhocas não daria.
A imagem do meu corpo arroxeado,
Gelado e a minha boca entreaberta
Com os meus dentes de mentiroso
Não teria oferecido)

Bárbara Bardas – Poemas da Crueldade

22/07/12

Conturbações X


Não podendo cada verso contar a sua história
Cada um deles converge na sua ambiguidade
Cada um deles tem o seu tempo                              o seu espaço

De ser escrito                                           de ser dito

Converge                                      converge                   e volta a convergir

Cada um deles
Não ocupa                                          não converge para
Espaço vazio algum     

Bárbara Bardas 

17/07/12

Conturbações IX

Uma traição:

Ao escrever a morada
Quase me enganava
E escrevia
2800 Almada

Bárbara Bardas

15/07/12

Conturbações VIII

Camaradas e companheiros de trabalho:
Sim, porque o trabalho é luta
E a luta é também trabalho

Ontem tentaram matar-nos
Ontem violaram-nos
Ontem não nos apoiaram
Ontem não nos respeitaram
Ontem não nos acudiram
Ontem despejaram-nos

A verdade. Essa, já é nossa.

Hoje reflectimos
Hoje agimos
Hoje decidimos
Hoje lutamos
Hoje organizamos
Hoje escobilhamos
Hoje vamos

Não porque não o tenhamos feito ontem
Mas porque hoje os tempos são de urgência

Vamos

Até onde o nosso corpo nos levar
Hirtos e dignos

Bárbara Bardas

13/07/12

Conturbações VII

Em cada dia
Um inchaço
Um derrame sanguíneo

Em cada dia
Um cansaço
Um derrame glandular

Em cada dia
Um baço
Um derrame hormonal

Em cada dia
Um traço
Um derrame epidérmico

Bárbara Bardas

09/07/12

Conturbações VI

Fosse cada conturbação
Uma década de relacionamento

Fosse cada conturbação
Um ano de vida partilhada

Fosse cada acto, cada decisão, cada opção
Uma palavra exacta

Fosse em cada aprendizagem, 
em cada vitória, 
em cada desânimo, 
em cada construção, 
em cada passo conjunto
Uma conturbação

Fosse em cada drama: 
uma tragédia, 
uma comédia

Fosse em cada 20€/2 x 7

Fosse em cada uivo, 
em cada dor, 
em cada enchente de pequenos actos
Uma conturbação

Fossem

Todas as relações                                  Assim                                        Sejam

Montanhas

Épicas.

Bárbara Bardas

06/07/12

Conturbações V

Seja em Portugal, Marrocos ou Brasil
O machismo é sempre igual
Basta haver um corpo
E uma mente – feminina ou masculina.

Bárbara Bardas

04/07/12

Conturbações IV

Bichos, grilos e gafanhotos.
Caem do tecto (embora este não esteja podre).
Falam comigo. Os bichos.

Bam! Bam!
São oito da manhã.
Dois tiros a arrebentarem-me a cachimónia.
Pássaro gordo na banheira.
Descobre a saída.
Susto.

Saudades esboroadas.
Assim…
Rumo ao norte das conturbações produtivas.

(Não obstante o desemprego, a troika, o fmi, o bce e todas as maldades).

Quanta imensidão cabe sob o peito de B.B.?

Tantas (felizes) conturbações.
Dizem os bichos.

Viva.

02/07/12

Conturbações III

Fosse cada onda
Uma conturbação
Em noite agitada

Fosse cada insónia
Uma conturbação
Em dia de maresia

Fosse cada desvaire
Uma conturbação
Em tarde calma

Fossem!

Irrompendo a manhã clara.

Em barda!

Bárbara Bardas

29/06/12

Conturbações II

Fosse cada onda do mar
Uma pequena conturbação
Em dias de tempestade
Tal qual milhares de ondas
A rugirem furiosamente
Umas contra as outras
E eu marinheiro à deriva

Fosse cada raio de sol
Uma grande conturbação
Em dias de tórrido ardor
Tal qual milhares de tisnos
A entrelaçarem-se belicosamente
Uns contra os outros
E eu caminhante à busca

Fosse cada gota de chuva
Uma conturbação
Em dias de doces monções
Tal qual milhares de grãos
A lançarem-se rigorosamente
Uns com os outros
E eu semeador a voltar à Terra.

Bárbara Bardas

28/06/12

27/06/12

B.B. ao chegar a casa
espreita para ambos os lados
em busca do seu viajante
não o vê.

Bárbara Bardas

26/06/12

diletantismo

estação estação estação
quarenta quarenta quarenta
calor calor calor
inacção inacção inacção

Bárbara Bardas

25/06/12

ESSA GENTE / ESSA GENTE

Essa gente dominada por essa gente
nem sente como a gente
não quer
ser dominada por gente

NENHUMA!

a gente
só é dominada por gente
quando não sabe que é gente

Ana Hatherly

In De Palavra em Punho – Antologia Poética da Resistência – De Fernando Pessoa ao 25 de Abril, org. José Fanha, ed. Campo das Letras

23/06/12

Dica barata de auto-ajuda

a diferença entre o medo e a dor
é que o melhor do medo
é a adrenalina em vencê-lo

Bárbara Bardas

20/06/12

ESTA GENTE / ESSA GENTE

O que é preciso é gente
gente com dente
gente que tenha dente
que mostre o dente

Gente que não seja decente
nem docente
nem docemente
nem delicodocemente

Gente com mente
com sã mente
que sinta que não mente
que sinta o dente são e a mente

Gente que enterre o dente
que fira de unha e dente
e mostre o dente potente
ao prepotente

O que é preciso é gente
que atire fora com essa gente

Ana Hatherly
In De Palavra em Punho – Antologia Poética da Resistência – De Fernando Pessoa ao 25 de Abril, org. José Fanha, ed. Campo das Letras


15/06/12

Dias e Noites de Luta

Em 2002, a primeira noite dos primeiros dias em Barcelona, foi passada numa festa popular. Os copos azuis de plástico duro tinham uma inscrição pela liberdade dos presos políticos. À data achei exagerado falar-se de presos políticos. Era 2002.

A 15 de Fevereiro de 2003 saí à rua, com mais três milhões de pessoas. Os EUA invadiam o Iraque e durante meses na minha faculdade, nas lojas, nos cafés, cartazes e faixas diziam não à guerra. Passei pela praça da universidade e vi cargas policiais e manifestantes detidos, soltos no mesmo dia. Mais uma vez achei exagerada a expressão.

12/06/12

Escrevera eu melhor
acerca do tempo de espera
trezentos e noventa e um dias
após a tentativa de liquidação
de Simalu, Gugu e Manu
e inocentemente a tríade
não  teria sido morta

Bárbara Bardas - Poemas da Crueldade 

10/06/12

ARTE POÉTICA

Que o poema tenha carne
ossos vísceras destino
que seja pedra e alarme
ou mãos sujas de menino.

Que venha corpo e amante
e de amante seja irmão
que seja urgente e instante
como um instante de pão.

05/06/12

POEMA QUASE EPITÁFIO

Violentamente só
desfeito em louco
- nem um gato lunar
te arranha um pouco

Morreram-te na família
irmãos mais velhos
Restam retratos de vidro
e espelhos

30/05/12

ESSES

Os que trazem a tarde
a estrebuchar rosas,
pela trela,
como um cão,
e põem rosas nas janelas,
nos sorrisos que nos dão.

25/05/12

Canção de Júbilo

O meu amado maneja o seu sexo
como um beija-flor
equilibrado na delicada orla

Que prazer ser uma planta de mel
e
abrir-me


Lenore Kandel
in ANTOLOGIA DA NOVÍSSIMA POESIA NORTE-AMERICANA, Editorial Futura

20/05/12

CATARINA EUFÉMIA

O punho ergueste
em haste
de coragem

Os pés fincaste
na terra
com ternura

e só de paz falavam
os teus olhos
quando tombaste dobrada
pla cintura

À tua frente souberas a resposta
na arma pronta
à morte no teu ventre

mas nem um filho
ao colo
te calou a fala
grito de água no Alentejo ardente


Maria Teresa Horta
in AS MULHERES VISÍVEIS - ANTOLOGIA DE POEMAS SOBRE MULHERES, ed. Alma Azul

10/05/12

Desejo

O desejo é o servo da astuta Afrodite.
*
Rogo-te, Abantis, agarra na tua lira e canta a bela Gongila cujo desejo te persegue.

O simples olhar do seu vestido excitou-te e eu gozei com isso, porque a própria Afrodite me censura por lho implorar...
*
O amor queimou o meu coração, como um vento da montanha fustiga as azinheiras.
*
O amor de novo me perturba e paralisa.

Ao mesmo tempo doce e amargo, é uma serpente invencível.
*
Tu vieste e eu desejei-te. Incendiaste o meu coração que arde de desejo.
*
Que esta noite possa ser intensa!
*
Mamã, eu não posso tecer mais: sinto-me ávida de desejo por um jovem por culpa da terna Afrodite.
*
Tu inflamas o nosso desejo.
*  
Eu desejo e cobiço...
*
Safo
in O DESEJO, Editorial Teorema 
III
Nesse mesmo Bairro da Laranja,
Tal qual prédios todos iguais,
Porque o social quer-se repartido
Havia muitas famílias.
Havia os Grilo, os Buco, os Lourenço,
os Egas, entre tantos outros.
Partilhavam entre si muitas coisas:
Tal como os filhos - se alguma mãe morria em consequência do parto
O vizinho tomava-lhe a criança e criava-a como sua.
Tal como as culturas e as cores - se algum branco e negra e/ou vice-versa se amassem
Então casavam-se.
Tal como os dias comuns - em que os vizinhos iam até a casa de outros vizinhos para passarem o tempo.
Tal como as desgraças, mortes, divórcios, separações, pobreza - ia-se também à casa dos vizinhos para partilhar aquela dor - tão grande que
tornava-se ela -
também dos outros.

B.B. Pásion - Poemas da Infância

05/05/12

Ajuda-me Valentina

Que havemos de fazer com tantos e tantos oradores
uns valem-se de livros, outros de bonitas razões.
Alguns de contos vários, milagres e aparições
e alguns outros da presença de esqueletos e escorpiões
mamita mía

II
No tal Bairro da Laranja
Havia muitos vizinhos
Moravam todos em casas sociais
O rapaz da rua de trás foi roubado
E levaram-lhe quatro contos.
Ele, num concurso da loja do oculista,
Ganhou uma vez, um automóvel.
Hoje recuperou das injecções.
Ficou seropositivo.
Menos mal.

B.B. Pásion - Poemas da Infância

03/05/12

1

da porta do café via-se a rua    foi assim
que eu comecei por falar de ti aos meus amigos
como se fosses mais uma árvore a nascer
entre os carros da cidade

e para lá da rua    continuei    um cão
perdido sem coleira    murmuro ele de repente
a memória trazendo-me sem querer o nome
daquele romance do Cesbron que estava tão na moda
nesse tempo em que pensávamos que a literatura
ia salvar o mundo

01/05/12

I
Havia uma tia Mimi
No Bairro da Laranja
Ela era gorda, muito
E era negra, imagino que
Com um traje branco ficaria
Tal e qual aquelas mães de santo da Bahia.
Ela tinha uma filha que era a Cátia.
Cátia e a sua prima
Costumavam untar formas com margarina
Para bolos fazerem...
Eram felizes.

B.B. Pásion - poemas da infância

30/04/12

CANTO OBSCURO ÀS RAIZES

Em Libreville
não descobri a aldeia do meu primeiro avô.

Não que me tenha faltado, de Alex,
a visceral decisão.
Alex, obstinado primo
Alex, cidadão da Virgínia
que ao olvido dos arquivos
e à memória dos griots Mandinga
resgatou o caminho para Juffure,
a aldeia de Kunta Kinte - 
seu último avô africano
primeiro na América.

24/04/12

MULHERES DE ABRIL

Mulheres de Abril
somos
mãos unidas

certeza já acesa
em todas
nós

Juntas formamos
fileiras
decididas

ninguém calará
a nossa
voz

Mulheres de Abril
somos
mãos unidas

na construção
operária
do país

Nos ventres férteis
a vontade
erguida

de um Portugal
que o povo
quis

Maria Teresa Horta

21/04/12

poesia não é
obsessão a percorrer-me
de uma ponta à outra
a convergir
até ao centro

obsessão és tu
a percorrer-me
de uma ponta à outra
a convergir
até ao centro:
poesia

B.B. Pásion

20/04/12

Carta de Beatriz a Dante

Por vontade divina
Nos une a memória.
A sombra do teu chegado tormento
Mistura-se com a minha
Brandamente como se entrasse no paraíso.
Agonia
Emerges desde o fundo dos séculos!
Se pudesse lançaria o teu nome
Nos braços infinitos da noite.
Livre
Seria uma ave não tocada pelo céu.
Sombra espigada
fulguras desterrada.
Quando voltares ao paraíso
Será o meu rosto
Uma visão com velas
Acesa de desolação.
Será o meu corpo
Um traje rumoroso
Nos ossos luzentes.
Que fatalidade
Prende a alma
Com as ilusões falidas?
É bom guardar silêncio
Quando se viu o fogo
Cair do céu.


Lauren Mendinueta Gámez
in AS MULHERES VISÍVEIS - ANTOLOGIA DE POEMAS SOBRE MULHERES, ed. Alma Azul

17/04/12

Há algum tempo:

Um pesadelo surge
Acordas estremunhado
Ainda a dormir passas a mão pelo rosto
Enquanto sentes uma erupção
Apalpa-la com a ponta dos dedos
Enquanto a sentes a catucar
a tua pele de dentro para fora
Sentes uma cauda bicuda, pontiaguda                            um verme
Que te furou a carne do queixo, do lado direito
Acordas em sobressalto
Não cabendo em ti de asco
Feito mutante
Feito besta
Feito monstro

B.B Pásion

16/04/12

O amor que te tenho
vai comigo
até morrer
até ao dia do meu esqueleto
ser doado às aulas de ciências da natureza

B.B Pásion

15/04/12










Ela vem
quando eu cerro as pálpebras pesadas
e apoio a cabeça na escuridão do desejado sono
Vem muito branca muito lenta
Fita-me calada
e muito direita
começa desatando seus cabelos negros
Abre a boca num riso que eu não oiço
deixa cair o seu vestido todo
E enquanto eu olho fascinada o seu ventre coroado de negro

seis homens pequeninos e muito encarquilhados
agarram suas seis tetas
e sugam-lhes os bicos
rosados e rijos de prazer

Ana Hatherly
in ANTOLOGIA DE POESIA PORTUGUESA ERÓTICA E SATÍRICA, Ed. Antígona

10/04/12

AVISO

vêm avisar-me que alguém estará à esquina
de quando penso. e sabendo-o recuso-me.
e se prolongo os olhos alguém pernoitará
à esquina de quando durmo. e por isso acordo.

e pergunto: porque virá alguém ocupar-me
a esquina de quando durmo e quando penso
se é imperfeito o espaço entre a vigilância
e o sonho? insuspeita a hipérbole do sono?

vêm avisar-me de que terás chegado
a esta esquina de quando penso e durmo.
e logo se nega a razão de ser da insónia.

Wanda Ramos

in A JOVEM POESIA PORTUGUESA/1, ED. LIMIAR


03/04/12

duas grandes bolas cheias de branco
na minha face - esquerda e direita
qual agonia c(r)ónica
assim
a destruir-me os nervos de aço
(oh oh - suspiro irónico)
não brancas de ingénuas
antes brancas de leitosas
a jorrarem-me
alergia
alegria onírica
de dor aguda

B.B. Pásion

29/03/12

ESPECTRO DE GUERRA

Meu pai, preso e torturado em 1953, andava esquisito
e cochichava muito com minha mãe
à noitinha na varanda.

Às vezes, ouvia a palavra guerra e a palavra Nigéria
e a palavra Biafra.

De repente o aeroporto ficou maior, a cidade aumentou
as ruas ganharam novo movimento.

25/03/12

GRAMÁTICA DA 1ª PESSOA

(em Londres, um "eat in or take away")
It's only me
respondi à empregada de café
quando me quis sentar

Sou só eu
mais ninguém
só eu aqui descentrada do mundo
neurótica e distópica
em curtos arremedos grosseiros
e vulgares

It's only me
a pedir um chá só ou só um chá
que a sintaxe de nós
permite estas permutas subtis
a inglesa já não
que just a tea pode bem ser
mas não a lonely tea

Sou só eu lonely me
só quero um chá
mais nada
e mais ninguém

Ana Luísa Amaral
in MINHA SENHORA DE MIM, ed. quetzal

24/03/12

O último reduto

na escuridão da câmara
a lembrança do bater
de ondas duma praia distante
as náuseas, os vómitos
são os primeiros reflexos
das palavras ditas
são a irreversibilidade
dos actos a seguir

B.B Pásion

20/03/12

QUE RIO VEM FORÇAR A ENTRADA DESTA CASA?

falo a fio de solidões urdidas de silêncios.
permitam que vos diga de como expurgada
me retomo diariamente na cidade.         e porque
repiso ainda estas exactas propostas pisadas
e porque não servem as palavras este desafio.

repto de que passos na pele por onde
não irrompem apaziguadas manhãs.    de que
águas por sorver sem eu ter sede agora.

de monólogo que necessariamente em mim recai
com a língua árdua de cigarros sobrepostos
enquanto a memória não cede.            enquanto se projecta.

digo: que rio vem forçar a entrada desta casa?


Wanda Ramos
in A JOVEM POESIA PORTUGUESA/1, ED. LIMIAR

16/03/12

Óbidos (Josepha)*


Se não hesitei quando pela torre ecoou o sino

porque vou hesitar perante o abismo

entre espaldares de árvores tridentes da ramagem simples
ao sol seco.

12/03/12

A Billie Holiday, Cantora

Era de noite e no quarto aprisionado em escuridão
apenas o luar entrara, sorrateiramente,
e fora derramar-se no chão.
Solidão. Solidão. Solidão.

08/03/12

MULHER

Mulher
Século XXI
Continuas
Escrava
Mineira
Telefonista
Prostituta
Tu te encantas
com a vida
Engenheira
Poeta
Operária agrícola
Intelectual
Mulher-a-dias
Continuas a não
Deixar de ser
Fruto do tempo
Se vives diferente
Terás de pagar
Não sabes como
A dívida
Dos teus dias
Independentes
Não serão nunca
Enquanto as outras
E os outros não
Te mirarem
Soberba e igual

B.B. Pásion

02/03/12

POSSE

Vem cá! Assim, verticalmente!
Achega-te... Docemente...
Vou olhar-te... E, no teu olhar, colher
promessas do que quero prometer,
até à síncope do amor na alma!
Colemos as mãos, palma a palma!
A minha boca na tua, sem beijo...
Desejo-te, até o desejo
se queixar que dói.

E sou tua, assim, como nenhuma foi!

Leonor de Almeida
in ANTOLOGIA DE POESIA PORTUGUESA ERÓTICA E SATÍRICA, Ed. Antígona

27/02/12

SPARTACUS

Em cada hora
Em cada dia
Século após século
os homens arremessam o teu nome ao vento
e dele saem dardos, punhais, espadas
e dele saem pombas e flores ensanguentadas
De cada letra um filho
De cada som um eco

23/02/12

… ao meu camarada Diogo

Tu!

Que me convidaste para ir a tua casa beber um rum
Na primeira noite em que nos conheceste
Que sem preconceito nos convidaste – a nós – para ir a tua casa
Numa campanha eleitoral, numa noite de verão
Fizeste de nós amigos

20/02/12

Blues para Bessie

Bessie Smith, a maior das primeiras cantoras de blues,
morreu violentamente após um acidente de automóvel
durante uma digressão teatral pelo Sul em 1937.
Os jornais informaram que ela se esvaiu em sangue até morrer

quando o único hospital por perto
recusou a sua atenção médica de urgência
porque ela era uma mulher Negra.

15/02/12

Judeus

Somos os da kombi "Corcovado"
portunhóis agarrados à barra
de um guia
que aos pés maciços do redentor
abre os braços em cruz como se dissesse:
até aqui chegamos.
Algo nesta altura nos deixa tontos
é uma percussão que se eleva dos outros,
fantasias batendo repetidamente eles avançam
sobre seu carnaval de todos uma bandeira

10/02/12

MULHERES DO MEU PAÍS

Deu-nos Abril
o gesto e a palavra

fala de nós
por dentro da raiz

Mulheres
quebrámos as grandes barricadas
dizendo: igualdade
a quem ouvir nos quis.

E assim continuamos
de mãos dadas

O povo somos:
mulheres do meu país

Maria Teresa Horta

09/02/12

Se a verdade é pútrida
dizia o outro
eu também não o sou menos

B.B. Pásion

05/02/12

Uma dialéctica da Beleza e da Verdade (Nove Incursões)

(...) A Beleza não é uma finalidade?
E a Verdade?
A Verdade parece uma finalidade?
E a Beleza?
A Verdade procura-se.
E a Beleza?
A Beleza atinge-se.
E a Verdade?
Procura-se e não se atinge.
E a Beleza?
Atinge-se se é procurada.
E a Verdade?
Nem procurada.

01/02/12

O Cão

Em Porto Covo
Havia um cão a voar
Preso por uma tela
Ele flutuava sobre os telhados
Olhei para ele e fiquei
Momentaneamente a pensar
Se seria alucinação ou não
Mas era mesmo
Tal e qual aqueles cães
Tipo bibelô de loiça
Que se punha antigamente
Ao lado da poltrona (com um trapo de renda nápron por cima)
Entretanto as pessoas
De cá de baixo
Não notaram
Que afinal os cães
Também voam

B.B. Pásion - poemas da leveza

30/01/12

Três Verdade Contemporâneas

Creio no invisível
Creio na levitação das bruxas
Creio em vampiros
Porque os há.

Conceição Lima

25/01/12

CATARINA EUFÉMIA

O primeiro tema da reflexão grega é a justiça
E eu penso nesse instante em que ficaste exposta
Estavas grávida porém não recuaste
Porque a tua lição é esta: fazer frente

Pois não deste homem por ti
E não ficaste em casa a cozinhar intrigas
Segundo o antiquíssimo método oblíquo das mulheres
Nem usaste de manobra ou de calúnia
E não serviste apenas para chorar os mortos

Tinha chegado o tempo
Em que era preciso que alguém não recuasse
E a terra bebeu um sangue duas vezes puro

Porque eras a mulher e não somente a fêmea
Eras a inocência frontal que não recua
Antígona poisou a sua mão sobre o teu ombro no instante
em que morreste

E a busca da justiça continua

Sophia de Mello Breyner Andresen

20/01/12

MULHER-RESISTENTE

A Mariana Janeiro em nome de todas as mulheres que lutaram contra o fascismo

Eram tantas as torturas...
O Chicote sobre a carne
Que o corpo te inchava
inchava
pelas vergastas cortado

Eram dias sobre noites
em que os olhos te queimaram
em que as veias te romperam
e os ouvidos te rasgaram

Eram meses sobre meses
na cela

isolada

Torturas quantas sofrestes
minha irmã
sempre calada

Que à polícia não se fala
nem que se morra
à pancada!

Maria Teresa Horta

05/01/12

A sanca rima com anca
E não com inca

B.B. Pásion

Muita Maturidade em Idade Precoce? Ou simplesmente Maturidade em Idade Precoce? O que quer "Muita Maturidade em Idade Precoce" dizer?

Resposta em estado reflexivo acerca do estado de maturação de uma mulher.
Poderá significar sulcos rugosos na pele, rugas de expressão sobretudo em volta da boca ou dos olhos; uma boca com poucos dentes, e os restantes em mau estado; um terço do peso normal em excesso, um dorso ligeiramente curvado; e mais do que tudo uma cabeça obstinada. Os canais lacrimosos secos de tanto haverem funcionado.