16/03/12

Óbidos (Josepha)*


Se não hesitei quando pela torre ecoou o sino

porque vou hesitar perante o abismo

entre espaldares de árvores tridentes da ramagem simples
ao sol seco.



Estou sobre o saibro como uma mulher mínima na curva do capitel.
A meu lado

vejo o fundo negro das figuras da adoração suspendidas
sobre si. O que conheço da liturgia

e dos temas naturais com que identifiquei a pintura,
os grandes tufos de lírios, dálias sem luz

da variação, apenas com o vinco e contorno negro
da morte como arte condigna para os seres vivos.

Assim é magnífico todo aquele que seguir a descrição do retrato fictício
das suas faces. O abismo é todo o espaço que mediar

entre quem não vacila e o modelo de imagens constantemente

perdidas no passado. Pensar que o pensamento de josepha e a severidade
para com a beleza dos frutos, das flores e das figuras humanas

é o domínio da vida sobre a ideia da morte. O sulcro do pincel obscuro
na mão de rosa

diante da paisagem clara com as faixas de fumo
que coincide com a minha descrição da vida matinal.

* Josepha de Ayala, pintora portuguesa do período barroco

Fiama Hasse Pais Brandão
in AS MULHERES VISÍVEIS - ANTOLOGIA DE POEMAS SOBRE MULHERES, ed. Alma Azul

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