20/08/12

POEMA DE INSUBORDINAÇÃO

Preto
sem submissão
palavra de relevo agudo
nas ruas
Preto
de água de vento            de pássaro
de pénis
de agudamente preto
de        demasiado

como um cardo submerso de
som

Preto de saliva na ogiva
dos lábios

Objectos solares
quentes          interiores marítimos
curvos            inseguros
preto

o tempo dos desertos
facetados na boca
lento
por dentro das pedras

a suporar de luz

Preto de túlipa
de arcanjo             de pescador
de tão pouca vontade
De horizonte          de pétala
de totalmente
preto

veias sem arestas
de areia
na garganta

sem gomos
de vidro
nos olhos

sem pedaços de
sons
paralelos

Preto
em perpendicular
aos ombros das janelas

jamais sinónimo
de noite
e nunca mole
em diagonal aos dedos

dedos habitados
pelo útero

dedos rasgados onde o
preto
começa

Húmido

Latejante

Entumescido branco
Preto
somente numa praça
a vagina da erva

Da ironia           da viagem
do espelho         do cuidado
no perder exacto
do inverno sem seios
sem sombra

Preto
de regresso na terra

de flores deitadas

a caminhar        de
grades
nos jardins

De goivos

gaivotas coladas
de dorso às nuvens

Preto
como uma canoa
como parcialmente morto

sinónimo de hálito
de lago    de nós
de glicínia
de peixe        de lagoa

Rouco
magnânimo      cinzelado
saudoso

Preto
de apertar na mão
e introduzir no sexo

Monge de sedução
a deslizar nos olhos
monge
de planície           de pranto
de perante o dia

Preto
anca demasiada na lâmpada

De ciúme

Preto
oceano

Preto clínico

Preto
missão de apenas a sensação
no vácuo

apenas o desequilíbrio
dos cornos das cidades
dos cornos rosados dos
gladíolos abertos

Nebulosos

Preto
à maneira  da infância
e da neve

Nunca trevas unidas
à angústia

nunca o peso
quebrado
dos crepúsculos cinzentos

Preto
de liberdade nos rios

de liberdade no povo

de liberdade nas manhãs
imóveis      sem cintura

Unido
urgente     inenarrável

Repetido

nos sarcófagos
nas árvores        nas serpentes
no impossível

Preto de petrificar
nos pântanos

de acrescentar
nos templos

Longe

toda uma caverna
de distância

De fascínio

De florescer

Incenso

Como um coral ao acaso
sem porta

Preto
como um insecto
um vitral             uma cave

Uma língua

Preto
de sabor           entumescência
de punhos na lua

Ultrapassado
extremo
ruptura

Vertical em verde
na espuma

retido

Totalmente aberto
rebentado
nas gengivas dos frutos

Preto
totalmente suspenso     de membros
nos rochedos

de grito
de rosto     de barcos
de flechas

Uma espada

Uma fonte    um prédio

Um minério

De através            de memória

Uma ave
um gato
uma pirâmide

Preto
demasiadamente um hábito
demasiadamente pele de madeira
quente

Preto
convento redondo em nós
antigamente

Maria Teresa Horta
in ANTOLOGIA DE POESIA PORTUGUESA ERÓTICA E SATÍRICA, Ed. Antígona

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