05/05/12

Ajuda-me Valentina

Que havemos de fazer com tantos e tantos oradores
uns valem-se de livros, outros de bonitas razões.
Alguns de contos vários, milagres e aparições
e alguns outros da presença de esqueletos e escorpiões
mamita mía



Que havemos de fazer com tanta prece sobre nós,
que alega em todas as línguas sobre glória e isto e aqueloutro.
De infernos e paraísos, de limbos e purgatórios,
édens e vida eterna, arcanjos e demónios
mamita mía.

Que sim, que adorem a imagem da Senhora Maria
que não se adore nenhuma senhora nem senhorita,
que sim, que não, que amanhã, que uma sexta-feira de madrugada,
que para entrar na glória, dinheiro se necessita
mamita mía.

Vê-se que não são muito limpos os trigos nesta vinha
e o joio pretende comer-lhes toda a espiga.
Pouco lhe diz a forma com que há-de cravar o seu lenho
para chupar o mais débil, que diaba a levandija!
mamita mía.

Que havemos de fazer com tanto tratado do alto céu,
ajuda-me Valentina já que tu voaste a grande distância,
diz-me de uma vez por todas que lá em cima não há tal mansão,
amanhã a há-de fundar um homem com a sua razão,
mamita mía.

Que havemos de fazer com tantos embaixadores de deuses,
saem-me a cada passo com os seus caninos ferozes,
extrema-te, Valentina, que aumentam os pastores,
porque já aí vem o derrube do conto dos sermões
mamita mía.

Que havemos de fazer com tanta mentira esparramada,
Valentina, Valentina, pratiquemos a escobilhada.
Senhores: debaixo da terra a morte fica selada
e a todo o corpo, na terra, o tempo o torna nada
mamita mía.

Violeta Parra
in AS MULHERES VISÍVEIS - ANTOLOGIA DE POEMAS SOBRE MULHERES, ed. Alma Azul

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