25/11/12

ESTA CIDADE

O lugar de repouso
está por inventar
A cidade é morna
o rio vazio
nem o mar é filho do mundo
nem o mundo é mar
nem o meu corpo
um chapéu de ilusionar

A cidade é morna
o espaço baço
nem caem da face os olhos
nem se perde o braço

Na cidade
onde há a mais
a água e a sede
vamos na rede
como animais

Os animais chegam
pelo mesmo aqueduto
Se a água é limpa
o sangue é bruto

Exacerbadamente
vejo que onde
estamos teremos
já temos Tejo

Tão poucas folhas caídas a desoras
menos gente que ontem em sentido
contrário ao voo das aves

Poucas camas desfeitas com o peso
da insónia
larvas e ovos de larvas dentro da boca

Tão pouca gente a sós com a vertigem

tão pouquíssima gente nas ruas
com o astro-rei a tombar

Estão em casa a jantar

Antes que nos cubra a pedra
por lavrar
antes que o lavrador perca
a partilha

um monumento exacto há
que erigir 
entre a Batalha e a Bastilha

Luíza Neto Jorge
In De Palavra em Punho – Antologia Poética da Resistência – De Fernando Pessoa ao 25 de Abril, org. José Fanha, ed. Campo das Letras

1 comentário:

  1. "Entre a Batalha e a Bastilha!", embora goste mais da segunda.
    Gosto muito deste belíssimo poema da Luíza Neto Jorge!

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