13/03/16

REVOLUÇÃO E MULHERES DE NOVO (uma re-leitura da Maria Velho da Costa)

1. RECONSTITUIÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO
Elas são cinco milhões, o dia nasce, elas abrem os estores. Elas cortam o pão e fazem café. Elas escrevem a divisão de tarefas para o resto da semana. Elas picam cebolas e descascam batatas. Elas fazem panelas de sopa que congelam em pequenas caixas de plástico para vários dias. Elas chamam ainda escuro os homens e os animais e as crianças. Elas enchem lancheiras e pastas de escola. Elas fazem três máquinas com os lençóis e as camisas que hão-de sujar-se outra vez. Elas aspiram o chão e correm com os insectos para que não venham adoecer os seus enquanto dormem. Elas fazem contas complicadas para saber onde são os supermercados mais baratos. Elas contam cêntimos. Elas criam páginas de facebook onde vendem os velhos cachecóis de malha que a avó lhes ensinou a fazer. Elas trocam tutoriais sobre comida japonesa. Elas fazem limpezas em cinco casas diferentes e mais dois escritórios. Elas sairam de casa às 4 da manhã. Elas correm esbaforidas para não perder o comboio, o autocarro e o barco. Elas já contam hoje 17 horas de trabalho. Elas pousam o casaco nas costas da amiga e trocam saudades em crioulo de países mais quentes. Elas têm habilitações a mais para trabalhar naquela loja. Elas não fizeram o nono ano porque na altura a mãe precisava que elas fossem trabalhar. Elas pousam os sacos das compras e abrem a porta com a mão vermelha. Elas acendem o lume. Elas mexem o arroz com um garfo. Elas enchem os pratos. Elas pousam o alguidar na borda da pia para aguentar. Elas arredam a coberta da cama. Elas também dormem.