27/07/12

RIP Carlos Alberto Bernardo Fernandes

Ficha de Identificação:

Engraxate de profissão
Utente do Júlio de Matos
Filho de uma peixeira
Bastardo de um coxo (vendedor da sorte grande)

Não fosse eu ter fugido à tropa
E se para a Suíça não tivesse ido
Elisabete não teria conhecido

Não fosse Lisboa uma prisão
E eu e a minha minhoca
À praia não teríamos ido

(Minhoca era menina
Minhoca era introspetiva
Minhoca ia às cavalitas
Minhoca morava perto do mar)

Não fosse a solidão um grande presente
E eu a morte não teria conhecido,
À terra não voltaria

Não fosse a miséria tão matemática
E eu não me teria ido,
O meu corpo não teria dado

Não fosse a indiferença tão sagaz
E eu – feito Papillon – não me teria deliberadamente
Libertado da vida. Borrado e enforcado naquele quarto.

Se não o tivesse feito
Não teria escolhido a nona capicua: 09.09.09

(Se morrer não tivesse morrido
À terra mais minhocas não daria.
A imagem do meu corpo arroxeado,
Gelado e a minha boca entreaberta
Com os meus dentes de mentiroso
Não teria oferecido)

Bárbara Bardas – Poemas da Crueldade

22/07/12

Conturbações X


Não podendo cada verso contar a sua história
Cada um deles converge na sua ambiguidade
Cada um deles tem o seu tempo                              o seu espaço

De ser escrito                                           de ser dito

Converge                                      converge                   e volta a convergir

Cada um deles
Não ocupa                                          não converge para
Espaço vazio algum     

Bárbara Bardas 

17/07/12

Conturbações IX

Uma traição:

Ao escrever a morada
Quase me enganava
E escrevia
2800 Almada

Bárbara Bardas

15/07/12

Conturbações VIII

Camaradas e companheiros de trabalho:
Sim, porque o trabalho é luta
E a luta é também trabalho

Ontem tentaram matar-nos
Ontem violaram-nos
Ontem não nos apoiaram
Ontem não nos respeitaram
Ontem não nos acudiram
Ontem despejaram-nos

A verdade. Essa, já é nossa.

Hoje reflectimos
Hoje agimos
Hoje decidimos
Hoje lutamos
Hoje organizamos
Hoje escobilhamos
Hoje vamos

Não porque não o tenhamos feito ontem
Mas porque hoje os tempos são de urgência

Vamos

Até onde o nosso corpo nos levar
Hirtos e dignos

Bárbara Bardas

13/07/12

Conturbações VII

Em cada dia
Um inchaço
Um derrame sanguíneo

Em cada dia
Um cansaço
Um derrame glandular

Em cada dia
Um baço
Um derrame hormonal

Em cada dia
Um traço
Um derrame epidérmico

Bárbara Bardas

09/07/12

Conturbações VI

Fosse cada conturbação
Uma década de relacionamento

Fosse cada conturbação
Um ano de vida partilhada

Fosse cada acto, cada decisão, cada opção
Uma palavra exacta

Fosse em cada aprendizagem, 
em cada vitória, 
em cada desânimo, 
em cada construção, 
em cada passo conjunto
Uma conturbação

Fosse em cada drama: 
uma tragédia, 
uma comédia

Fosse em cada 20€/2 x 7

Fosse em cada uivo, 
em cada dor, 
em cada enchente de pequenos actos
Uma conturbação

Fossem

Todas as relações                                  Assim                                        Sejam

Montanhas

Épicas.

Bárbara Bardas

06/07/12

Conturbações V

Seja em Portugal, Marrocos ou Brasil
O machismo é sempre igual
Basta haver um corpo
E uma mente – feminina ou masculina.

Bárbara Bardas

04/07/12

Conturbações IV

Bichos, grilos e gafanhotos.
Caem do tecto (embora este não esteja podre).
Falam comigo. Os bichos.

Bam! Bam!
São oito da manhã.
Dois tiros a arrebentarem-me a cachimónia.
Pássaro gordo na banheira.
Descobre a saída.
Susto.

Saudades esboroadas.
Assim…
Rumo ao norte das conturbações produtivas.

(Não obstante o desemprego, a troika, o fmi, o bce e todas as maldades).

Quanta imensidão cabe sob o peito de B.B.?

Tantas (felizes) conturbações.
Dizem os bichos.

Viva.

02/07/12

Conturbações III

Fosse cada onda
Uma conturbação
Em noite agitada

Fosse cada insónia
Uma conturbação
Em dia de maresia

Fosse cada desvaire
Uma conturbação
Em tarde calma

Fossem!

Irrompendo a manhã clara.

Em barda!

Bárbara Bardas