30/12/11

Revolução


Elas fizeram greves de braços caidos


Elas brigaram em casa 
para ir ao Sindicato e à Junta

Elas gritaram à vizinha que era  fascista

Elas souberam dizer
salário igual e creches e cantinas

Elas vieram para a rua de encarnado

Elas foram pedir para ali
uma estrada e canos de água

Elas gritaram muito

Elas encheram as ruas de cravos

Elas disseram à mãe e à sogra que
isso era dantes

Elas trouxeram alento e sopa
aos quartéis e à rua

Elas foram para as portas de armas
com os filhos ao colo

Elas ouviram falar de uma grande mudança
que ia entrar pelas casas

Elas choraram no cais 
agarradas aos filhos que vinham da guerra

Elas choraram
de ver o pai a guerrear com o filho

Elas tiveram medo e foram e não foram

Elas aprenderam a mexer nos livros de contas
e nas alfaias das herdades abandonadas

Elas dobraram em quatro um papel
que levava dentro uma cruzinha laboriosa  

Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa
a ver como podia ser sem os patrões

Elas levantaram um braço
nas grandes assembleias

Elas costuraram bandeiras e bordaram 
a fio amarelo pequenas foices e martelos

Elas disseram à mãe,
segure-me aqui os cachopos, senhora,
que a gente vai de camioneta a Lisboa
dizer-lhes como é 

Elas vieram dos arrabaldes
com o fogão à cabeça
ocupar uma parte de casa fechada

Elas estenderam roupa a cantar
com as armas que temos na mão

Elas diziam tu às pessoas com estudos
e aos outros  homens

Elas iam e não sabiam para onde, mas iam

Elas acendem o lume

Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado
São elas que acordam   pela manhã as bestas,
os homens e as crianças adormecidas.

Maria Velho da Costa