Elas fizeram greves de braços caidos
Elas brigaram em casa
para ir ao Sindicato e à Junta
Elas gritaram à vizinha que era fascista
Elas souberam dizer
salário igual e creches e cantinas
Elas vieram para a rua de encarnado
Elas foram pedir para ali
uma estrada e canos de água
Elas gritaram muito
Elas encheram as ruas de cravos
Elas disseram à mãe e à sogra que
isso era dantes
Elas trouxeram alento e sopa
aos quartéis e à rua
Elas foram para as portas de armas
com os filhos ao colo
Elas ouviram falar de uma grande mudança
que ia entrar pelas casas
Elas choraram no cais
agarradas aos filhos que vinham da guerra
Elas choraram
de ver o pai a guerrear com o filho
Elas tiveram medo e foram e não foram
Elas aprenderam a mexer nos livros de contas
e nas alfaias das herdades abandonadas
Elas dobraram em quatro um papel
que levava dentro uma cruzinha laboriosa
Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa
a ver como podia ser sem os patrões
Elas levantaram um braço
nas grandes assembleias
Elas costuraram bandeiras e bordaram
a fio amarelo pequenas foices e martelos
Elas disseram à mãe,
segure-me aqui os cachopos, senhora,
que a gente vai de camioneta a Lisboa
dizer-lhes como é
Elas vieram dos arrabaldes
com o fogão à cabeça
ocupar uma parte de casa fechada
Elas estenderam roupa a cantar
com as armas que temos na mão
Elas diziam tu às pessoas com estudos
e aos outros homens
Elas iam e não sabiam para onde, mas iam
Elas acendem o lume
Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado
São elas que acordam pela manhã as bestas,
os homens e as crianças adormecidas.
Maria Velho da Costa