30/08/12

"ansiava um poder de visão que pudesse ultrapassar aquele limite; que pudesse atingir o mundo agitado, as cidades, e regiões plenas de vida de que ouvira falar, mas que nunca vira; desejava mais experiência prática do que a que possuía; mais contacto com os da minha espécie, conhecimento dos vários tipos de personalidade que estavam aqui ao meu alcance. Considerei o que havia de bom em Mrs. Fairfax, e o que havia de bom em Adéle; mas acreditava na existência de aspectos mais reais de bondade, pretendia ver aquilo que desejava".

Charlotte Bronte
in Jane Eyre

25/08/12

Rifão Marinho

Um cone
estava na areia
em pé
muito calado
a ver o que não acontecia
chegou a miúda
e disse
olha um cone
e zás comeu-o
é o que acontece
aos cones
que ficam em pé
calados
a não esperar
o que acontece

Bárbada Bardas, Poemas da Imitação

24/08/12

a esterilidade dos dias

a incerteza dos dias vindouros
de umas quinhentas libras por ano
e de um quarto que seja seu

Bárbara Bardas

21/08/12

Não é uma metáfora


"Tenho agora um trabalho muito ingrato
Ando a espantar pássaros de uma plantação de uvas
Não é a brincar
É a sério
A espantar pássaros"

Bárbara Bardas

20/08/12

POEMA DE INSUBORDINAÇÃO

Preto
sem submissão
palavra de relevo agudo
nas ruas
Preto
de água de vento            de pássaro
de pénis
de agudamente preto
de        demasiado

como um cardo submerso de
som

Preto de saliva na ogiva
dos lábios

Objectos solares
quentes          interiores marítimos
curvos            inseguros
preto

o tempo dos desertos
facetados na boca

15/08/12

Vieira da Silva



Atenta antena
Athena
De olhos de coruja
Na obscura noite lúcida


Sophia de Mello Breyner Andresen
in AS MULHERES VISÍVEIS - ANTOLOGIA DE POEMAS SOBRE MULHERES, ed. Alma Azul

10/08/12

Introdução ao Tempo


I

Façamos greve de tempo

De pulmões castos não respiremos
As folhas trágicas veias
podem cair
Fechemos os olhos dentro

Silente na rocha amarga
o sulco humilde de nós

08/08/12

de são joão da madeira

custa-me tanto
mas tan-tan-to-to
abandonar uns sapatos
nas traseiras de um carro
onde lavo os pés
para calçar uns novos
na terra irmã
à da margem certa

Bárbara Bardas

05/08/12

Auto-retrato

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.


Natália Correia
in AS MULHERES VISÍVEIS - ANTOLOGIA DE POEMAS SOBRE MULHERES, ed. Alma Azul

01/08/12

Guerra

Tanto é o sangue
que os rios desistem de seu ritmo, 
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.

Tanto é o sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.