30/04/12

CANTO OBSCURO ÀS RAIZES

Em Libreville
não descobri a aldeia do meu primeiro avô.

Não que me tenha faltado, de Alex,
a visceral decisão.
Alex, obstinado primo
Alex, cidadão da Virgínia
que ao olvido dos arquivos
e à memória dos griots Mandinga
resgatou o caminho para Juffure,
a aldeia de Kunta Kinte - 
seu último avô africano
primeiro na América.

24/04/12

MULHERES DE ABRIL

Mulheres de Abril
somos
mãos unidas

certeza já acesa
em todas
nós

Juntas formamos
fileiras
decididas

ninguém calará
a nossa
voz

Mulheres de Abril
somos
mãos unidas

na construção
operária
do país

Nos ventres férteis
a vontade
erguida

de um Portugal
que o povo
quis

Maria Teresa Horta

21/04/12

poesia não é
obsessão a percorrer-me
de uma ponta à outra
a convergir
até ao centro

obsessão és tu
a percorrer-me
de uma ponta à outra
a convergir
até ao centro:
poesia

B.B. Pásion

20/04/12

Carta de Beatriz a Dante

Por vontade divina
Nos une a memória.
A sombra do teu chegado tormento
Mistura-se com a minha
Brandamente como se entrasse no paraíso.
Agonia
Emerges desde o fundo dos séculos!
Se pudesse lançaria o teu nome
Nos braços infinitos da noite.
Livre
Seria uma ave não tocada pelo céu.
Sombra espigada
fulguras desterrada.
Quando voltares ao paraíso
Será o meu rosto
Uma visão com velas
Acesa de desolação.
Será o meu corpo
Um traje rumoroso
Nos ossos luzentes.
Que fatalidade
Prende a alma
Com as ilusões falidas?
É bom guardar silêncio
Quando se viu o fogo
Cair do céu.


Lauren Mendinueta Gámez
in AS MULHERES VISÍVEIS - ANTOLOGIA DE POEMAS SOBRE MULHERES, ed. Alma Azul

17/04/12

Há algum tempo:

Um pesadelo surge
Acordas estremunhado
Ainda a dormir passas a mão pelo rosto
Enquanto sentes uma erupção
Apalpa-la com a ponta dos dedos
Enquanto a sentes a catucar
a tua pele de dentro para fora
Sentes uma cauda bicuda, pontiaguda                            um verme
Que te furou a carne do queixo, do lado direito
Acordas em sobressalto
Não cabendo em ti de asco
Feito mutante
Feito besta
Feito monstro

B.B Pásion

16/04/12

O amor que te tenho
vai comigo
até morrer
até ao dia do meu esqueleto
ser doado às aulas de ciências da natureza

B.B Pásion

15/04/12










Ela vem
quando eu cerro as pálpebras pesadas
e apoio a cabeça na escuridão do desejado sono
Vem muito branca muito lenta
Fita-me calada
e muito direita
começa desatando seus cabelos negros
Abre a boca num riso que eu não oiço
deixa cair o seu vestido todo
E enquanto eu olho fascinada o seu ventre coroado de negro

seis homens pequeninos e muito encarquilhados
agarram suas seis tetas
e sugam-lhes os bicos
rosados e rijos de prazer

Ana Hatherly
in ANTOLOGIA DE POESIA PORTUGUESA ERÓTICA E SATÍRICA, Ed. Antígona

10/04/12

AVISO

vêm avisar-me que alguém estará à esquina
de quando penso. e sabendo-o recuso-me.
e se prolongo os olhos alguém pernoitará
à esquina de quando durmo. e por isso acordo.

e pergunto: porque virá alguém ocupar-me
a esquina de quando durmo e quando penso
se é imperfeito o espaço entre a vigilância
e o sonho? insuspeita a hipérbole do sono?

vêm avisar-me de que terás chegado
a esta esquina de quando penso e durmo.
e logo se nega a razão de ser da insónia.

Wanda Ramos

in A JOVEM POESIA PORTUGUESA/1, ED. LIMIAR


03/04/12

duas grandes bolas cheias de branco
na minha face - esquerda e direita
qual agonia c(r)ónica
assim
a destruir-me os nervos de aço
(oh oh - suspiro irónico)
não brancas de ingénuas
antes brancas de leitosas
a jorrarem-me
alergia
alegria onírica
de dor aguda

B.B. Pásion