30/11/11

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Ao comer o meu bife de cogumelos,
penso, distraidamente,
na dieta das crianças que desmaiam de fome.

No ridículo exagero
da fome.

Escrupulosa, doentia, perfeccionista,
de início - escritor diletante e neurótico - ,
passados meses, é como dar autógrafos.

Penso,
distraidamente,
nessas crianças de um fantástico super-realismo
que exibem o furor das costeletas
em plena apoteose.

E tomo a decisão de visitar o Bob.

De emoção obesa e indolente,
ele sabe-me visceralmente insensível à tragédia
dos homens.

Ao comer o meu bife de cogumelos
penso no chocolate rançoso e no gruière
que o emigrante trouxe de Bruxelas
e na televisiva complacência,
nas queixas e impotência,
mas sempre,
sempre,
distraidamente.

A fome
é o quiproquó verbal dos que não morrem de
fome.

in a preços de ocasião, eduarda chiote, ed. &etc

20/11/11

O desespero é condição sine qua non
Das multidões
Ferramenta ágil de agitação
Capaz de levar à cegueira
Que é como quem diz
Levar à mais violenta revolta:
Catástrofe.
Esse desespero tem que estar
Bem consolidado no individuo
A par da sua formação materialista.
Se o desespero for com ela de mão dada
Já não é cegueira inebriada
Mas antes arma cruel de luta.

B.B. Pásion, poemas teóricos 

15/11/11

ESQUECER COMO

Esquecer como:

rosa
vinho
orgasmo

Esquecer como:

grito
ferida
raiva

Esquecer como:

pele
faca
lágrima

Esquecer como:

morte
dor
viagem

in Minha Senhora de Mim, Maria Teresa Horta, publicações D. Quixote

10/11/11

Não se pode matar a ideia a tiros de canhão nem amarrá-la.

Louise Michel
Há mães famintas
antes grávidas de fome
o poder da  multiplicação
é animal, ou antes, lógica
inflamada de natural.
Bem, de natural a convulsão
Ganha proporções um pouco sociais
Na ânsia de colmatar um
Desejo primário que é a fome
A mãe ganha em si ar
que vai transformar-se em
erva daninha própria para animais
que gostam de bom pasto

05/11/11


Um dia disseram-me:
"Agora podes pôr uma
televisão aqui".
Quem precisa de pôr
Uma televisão no - quando 
Se tem um teatro?
Assim em vez de se proceder
À linguagem teatral, pôr
Todos a fazer - procede-se à
Linguagem de pôr todos a 
não fazer nada. Estado vegetativo
Acordado de ver

01/11/11

Há algo mais tranquilo do que o sono
Dentro deste quarto interior!
Usa no peito um ramo -
E não  dirá o seu nome.

Alguns tocam-lhe, outros beijam-na -
Alguns afagam a sua mão impassível -
Possui uma gravidade simples
Para mim incompreensível!

Não choraria, se estivesse no seu lugar -
Que indelicado o soluçar!
Pode afugentar a tranquila fada
E fazê-la aos bosques regressar!

Enquanto os vizinhos de coração simples
Do "morto Recente" falam -
Nós - propensos à perífrase,
Notamos que os Pássaros se elevaram!

in ESTA É A MINHA CARTA AO MUNDO E OUTROS POEMAS, Emily Dickinson, ed. Assírio & Alvim
A normalidade
é igual a uma questão de
probabilidade
isto é
na linha sectorial
a quantidade maior
de pontos perfilados
devidamente equilibrados
constituem a maioria