30/10/13

MULHERES

Há nas mulheres
o sono duma ausência
como uma faca
aberta sobre os ombros

à qual a carne adere
impaciente
cicatrizando já durante
o sonho

E há também
o estar impaciente
calarmos impacientes
todo o corpo

Sorrir não devagar
claramente
lugares inventados sobre
os olhos

E há ainda em nós
o estar presente
diariamente calmas
e seguras

mulheres demasiado
serenamente
nas casas nas camas
e nas ruas

E como toda esta herança
não chegasse
como se ainda quiséssemos aumentá-la
fechamos os braços de cansaço
como se da vida
chegasse o inventá-la

E se do sono
nos vem o esquecimento
quantas insónias
cansamos nós por dentro

in Poesia Reunida ("Jardim de Inverno")
Maria Teresa Horta

25/10/13

Histriónicas







Albert Parsons
caminhou para a morte
cantando Annie Laurie;
não teve aquele outro
uma rosa no casaco - e
ou seria rosada -
dramatizando-se -

Rosa ensanguentada
haste
pendendo de uma vazia
lapela de casaco,
ou seria um cravo cor-de-rosa
rósea cor macia como a alvorada
luzindo ténue sobre a forca,
faixa de canção prateada
embrulhada em chuva
Uma inunda manhã em Chicago nos anos oitenta -
perdurará, para além dos horizontes.

Lola Ridge

05/10/13

Fundo de Desemprego

Uma borboleta, um colar de coral
o rapaz não quer saber de  competência.
Está por agora aqui
amanhã pode sentar-se noutro lado
não tem opinião sobre coisa nenhuma
e nada nem ninguém o desconvocam
do seu concílio com a indiferença.
Veio de Colónia e na volta é semelhante
suprimiu hamburgers 
com pescadores ao lado.
O resvale da tarde sobre rochas
não lhe prega na alma
precipícios.
Um ocado onde há melancolia
desperta-lhe a contragosto
recessões
e perde tempo a descobrir ao sol
a loura rapariga inanimada
enquanto apalpa
na bolsinha a erva.
No outro dia é com resignação
que se saúdam
e a tarde nos contunde
mineral.

Fátima Maldonado