30/07/13

O Pastor

I
Era um homem
um homem
um homem.
Depois da sua era
Será para sempre a lembrança
A versão de uma lenda terrível.
II
Era um pastor que pastoreara
A grande promessa.
O pastor que conclamara
O horizonte e a agulha do astrolábio.
Era um pastor e sua trouxa do deserto.
Um pastor
e sua litania de queda e de nada.
III
Da festa era a inapagável memória.
Era a gravata da demência no Equador.
Era o ar entupindo os poros das casas.

25/07/13

Truca-Truca

Já que o coito - diz Morgado - 
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração! -
uma vez. E se a função
faz o órgão - diz o ditado - 
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.

Natália Correia

20/07/13

UM PORTUGUÊS ADOÇADO

A língua que se fala
No Brasil
É um português adoçado:

A sua dureza
Trabalhada
No engenho dos séculos
Deu essa doçura
Essa macieza pura.

A língua é o tigre
O falante o domador
Os séculos o percurso
O caminho a eterna descoberta.

Como num largo oceano
Há sempre novas vagas.

Ana Hatherly
In Itinerários, 2003, pg. 100

10/07/13

Medo

Só quero que olhes nos olhos, sem medo
nada a temer, olha nos olhos,
respira...
Deixa-te levar,
sente a vida sem medo e avança.
Recorda o passado, vive
o que não viveste, o que querias viver,
sem medo.

Ana Almaça