30/06/13

Penélope

1
Penélope
é uma aranha
que faz
uma teia
a teia é a Odisseia
de Penélope

2
Penélope está
sempre
sentada

3
Ulisses é abstracto
Penélope é concreta
a teia é abstracta
e concreta

4
Penélope casa-se
com Homero
ulisses fica a ver
navios

Adília Lopes

In Obra 

25/06/13

DESCOBRIMENTO

Um oceano de músculos verdes
Um ídolo de muitos braços como um polvo
Caos incorruptível que irrompe
E tumulto ordenado
Bailarino contorcido
Em redor de navios esticados

Atravessamos fileiras de cavalos
Que sacudiam as crinas nos alísios

O mar tornou-se de repente muito novo e muito antigo
Para mostrar as praias
E um povo
De homens recém-criados ainda cor de barro
Ainda nus ainda deslumbrados

Sophia de Mello Breyner

In Obra Poética III

20/06/13

Acrobacias

sentados em Trafalgar Square
no intervalo de amigos
com o tempo entre as mãos
treinávamos o nosso inglês
num inquérito de revista
com Francis Bacon na capa
que perguntava:
qual dos membros
- superiores ou inferiores –
preferíamos perder
(esta ablação em língua estrangeira
tornava-se indolor, quase anestesiada)
respondeste: os braços
as pernas conservá-las-ias
como a liberdade de poder andar
respondi: as pernas
não queria ver-me
impedida de abraçar.
assim juntando as nossas
perdas eu abraço-me a ti
e peço-te anda, mostra-me o mundo
e quando nos cansarmos
abraçar-me-ás, então, com as pernas
e eu
andarei com os braços.

Ana Paula Inácio

In Telhados de Vidro 3

10/06/13

Esta é uma declaração de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.

Clarice Lispector
in De escrita e Vida

05/06/13

Alguns gostam de poesia

Alguns -
quer dizer que nem todos.
Nem sequer a maior parte mas sim uma minoria.
Não contando as escolas onde se tem que,
e quanto a poetas,
dessas pessoas, em mil, haverá duas.

Gostam -
mas gosta-se também de sopa de esparguete,
dos galanteios e da cor azul,
do velho cachecol,
brindar à nossa gente,
fazer festas ao cão.

De poesia -
Mas o que é isso a poesia?
Muitas e vacilantes respostas
já foram dadas à questão.
Por mim não sei e insisto que não sei
e esta insistência é o que me salva.

Wislawa Szymborska
in Paisagem com Grão de Areia, Relógio de Água